sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Como ser gente (ou não)

Passei no vestibular. Um sétimo lugar em um curso com uma concorrência mediana.
Algumas pessoas me deram os parabéns, outras fingiram que nem souberam, e estranhamente ninguém tentou raspar a minha cabeça. A principio tudo o que pensei foi que o ser humano realmente gosta é de se sentir um pouco melhor fazendo com os outros algo que eles não desejam, mesmo que isso não seja intencional, mesmo que isso seja inconcientemente feito em uma comemoração pelo vestibular. Porque pensei nisso? Simples. Quando eu passei no vestibular pela primeira vez eu tinha o cabelo comprido, nas costas, como todo bom rockeiro. Praticamente todas as pessoas que eu conhecia tentaram raspar a  minha cabeça. Agora que meu cabelo é curto, como o da maioria dos homens que conheço ninguém nem ao menos comentou sobre a tradição de deixar o calouro careca. Não acredito que tenha sido pelo fato de ter passado no vestibular pela segunda vez, pois praticamente ninguém sabe desse fato. E aqueles que sabem, moram onde no lugar de onde eu venho, e muito provavelmente não sabem que passei neste vestibular.

Mas, como é costume, esse pensamento isolado me levou a um outro, e outro, e outro até que acabei por novamente me sentar em frente ao computador e redigir um texto com mais de minhas divagações e opiniões sobre como tudo seria ou poderia ser.

Pensava sobre como serão os primeiros dias de aula. Apesar de ja ter uma faculdade na bagagem, é estranho pensar que dentro de pouco tempo estaremos enfiados dentro de uma sala de aula com uma turma entre 40 e 60 pessoas as quais nunca sonhamos ver na vida. Poderemos até conhecer uma ou outra, mas 99% daquele pessoal nunca vimos, e provavelmente metade deles nunca mais voltaremos a ver na vida a não ser pelas fotos postadas em redes sociais. Talvez consigamos amizades verdadeiras, daquelas que duram para sempre e iremos visitá-los durante um feriado de carnaval, se sentar com as famílias, tomar uma cerveja enquanto conversamos sobre o rumo que a vida de cada um tomou depois que nos formamos e falar sobre como o filho de cada um cresceu, se tornou um garoto forte ou uma moça bonita e contar os planos para o futuro. A outra metade da sua sala nenhum de nós teve notícia depois da faculdade, não sabem como ou onde estão e nem se preocupam com isso. Apenas relembram os velhos tempos de cervejada e maconha de hora em hora com uma certa saudade, desejando que aquele tempo não tivesse passado e tentando entender por que a grande maioria dos seres humanos faz questão de ser completamente irresponsável justamente na hora em que vão decidir o que será da vida deles.

É interessante pensar que todo o nosso futuro de certa forma depende do nosso estudo. Poucas pessoas conseguem realmente se tornar alguém importante e bem sucedida sem uma base de estudos forte, e que ao mesmo tempo vemos milhares de pessoas com grandes diplomas que estão fritando hamburguer em uma chapa de lanchonete ou passando pano no chão do escritório onde poderiam estar confortavel e pomposamente sentados em seus finos ternos caros.

Acho mais estranho ainda a forma como as pessoas passam a se comportar depois que conseguem ou não o que querem da vida. A grande maioria das pessoas diz procurar pela felicidade e garantir o seu futuro. Só que eu nunca consegui entender o que realmente representa garantir o futuro para os seres humanos, muito menos qual o significado de "felicidade" para todos. É interessante que se cultive que o grande ideal de vida é que todos nós deveríamos nos matar e trabalhar a vida toda de forma descabida para termos salários altos, um carro do ano, uma casa de luxo e roupas de marca. Assim todos podemos ter uma boa aposentadoria no futuro e aproveitar a vida relembrando de quando eramos jovens e suspirando por não termos feito tudo o que queríamos quando podíamos, pois éramos ambiciosos e arrogantes demais para deixar a mesquinharia e a necessidade de ganhar dinheiro um pouco de lado e darmos atenção às nossas esposas ou maridos e filhos.

A maioria de nós passará enorme parte da vida tentando ganhar dinheiro e deixará a família de lado. Saíremos de casa antes que nossos filhos acordem para irem estudar e chegaremos cansados demais para darmos atenção de verdade para eles. Depois de alguns anos os filhos vão para a faculdade e se esquecem que os pais existem, pois estão apenas seguindo o exemplo que receberam em casa.

E só então, depois disso tudo e que voltaremos a nos sentar com os colegas de faculdade, com metade daquela metade com que se manteve em contato depois da formatura, com a cerveja na mão e sem os filhos (uma boa parte sem o casamento também) e suspiraremos pelo nosso nostalgico passado. Será falado sobre como os filhos estão longe e não se lembram mais dos pais, ou simplesmente não dão importancia para eles. Dirão que deram à eles tudo o que se podia dar. Os melhores brinquedos, as melhores roupas e escolas, sempre ridiculamente se perguntando "onde foi que eu errei?"
Só então uma pequena linha de pensamento poderá talvez surgir, pensando que se tivessem dado atenção para seus familiares em vez de para um salário maior, se tivessem pergutando como foi o dia deles em vez de reclamar por não conseguir o reconhecimento merecido, aí hoje não estariam com suas enormes casas tão vazias, seus carros de luxo e TVs gigantes não seriam suas únicas companhias e em vez de tomar um caro whisky e engolir amargamente sua solidão, poderiam estar tomando um suco qualquer com a casa cheia de filhos e netos rindo a toa.

Nem todos são assim. Felizmente uma boa parte consegue conciliar o sucesso financeiro e dar amor de verdade, não materialista à sua familia. Mas pense bem quando for tomar as suas decisões lembrando que sua familia poderá preferir ter alguém do lado quando precisar ao invés de uma super casa completa com tudo de mais moderno. Tente se preocupar com o futuro no máximo até o fim do seu dia. Quem olha demais para frente rege a vida como se assistisse a um filme acelerado até o final. Podemos chegar aonde queremos rápido, mas o que nos levou até lá vai ser somente uma idéia rápida do que realmente poderia ter sido com um significa turvo.

Aprenda com as brigas e discussões que tiver enquanto estiver namorando ou casado, elas vão sim formar uma enorme parte do seu caráter, e saber ouvir é algo que pode fazer maravilhas na sua vida. Não pense que está sempre certo e que não vai aprender nada com gente mais nova, muitas vezes são essas pessoas que podem realmente nos ensinar a ser felizes. Nossa vida é tão cheia de surpresas, boas e ruins, que se corrermos demais perderemos todas, e no final não teremos nada para contar, e nem para quem contar. E aí, quando nosso orgulho já estiver minado demais para finalmente admitirmos isso será um tanto tarde, e aí sim o reconhecimento que realmente gostaríamos de ter será inexistente e saberemos que não o merecemos.

Não sou pai, por isso não posso dizer com certeza como um pai pode ser bem sucedido com emprego e família. Mas sou filho, e posso dizer com certeza que preferiria ter tido menos dinheiro e mais atenção. Quem sabe assim meu pai não estaria sozinho hoje e minha mãe não moraria com meus avós.

Tente viver a sua vida como gente, não como uma máquina caça-níquel. No final dela, é gente que você vai querer ao seu lado.

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